O específico do Tempo Pascal é
deixar que os efeitos da Ressurreição se façam palpáveis; em outras palavras, é
permitir que, em nossa vida cotidiana, a ressurreição de Cristo refulja, afaste
toda escuridão e desperte a vida que estava atrofiada nos túmulos do fracasso,
da impotência e do desânimo.
E essa experiência tem a ver mais com
os sentidos que com a razão. Os olhos, agora
cristificados, ficam assombrados diante da explosão de possibilidades, matizes
e cores depois do rigor da quaresma.
O Evangelho deste domingo nos motiva
ressuscitar também nossa capacidade de escuta para
estar atentos à voz d’Aquele que vive. Precisamos afastar a pedra da entrada
dos ouvidos para escutar a sinfonia de vida que, continuamente, faz seu recital
ao nosso redor.
O convite à escuta nos
interpela com força desde os primeiros tempos bíblicos; escuta como atitude de
abertura à profundidade da vida, de uma vida que tem sentido e que se abre a
uma dimensão transcendente, que entra em sintonia com Aquele que escuta e se
faz escutar. Escutar como atitude de fé e não como simples exercício da
capacidade de ouvir. Escutar é mais que ouvir.
O ser
humano é o único capaz de escutar e de falar, porque
é o único criado à imagem e semelhança d’Aquele que é a Palavra cheia de
verdade e a escuta cheia de amor.
“Escuta, Israel… amarás”. Escutar,
abrir os ouvidos… diz-se que Israel é o povo da escuta, em vez de ser o
povo da visão (gregos). É verdade que no deserto não há nada para ver. Os olhos
mal se ajustam à luz… mas há cantos de areia, vozes no vento, gemidos de
animais, palavras por dentro, no interior…
O povo que traz a Palavra de Deus é o povo da
escuta. Portanto, o primeiro mandamento é “escutar”.
“Escuta”, ou seja, atende à Voz, acolhe a Palavra.
No fundo, isto quer dizer: não te feches, não faças de tua vida um espaço
isolado onde só são escutadas tuas vozes e as vozes do mundo. Para além de tudo
o que fazes e pensas, daquilo que desejas e podes, estende-se o vasto campo da
manifestação de Deus; abrir-se à Sua voz, manter a atenção acesa, ser receptivo
diante de sua Palavra: esse é o princípio que plenifica e dá sentido à
existência.
É Deus que nos ensina a calar e a fazer silêncio
para não mais escutar a palavra que apequena e mata. Existe uma palavra que
informa, educa, ensina, apazigua, alegra, reconforta e edifica, mas também há
outra que confunde, obscurece, empobrece, entristece, quebra, divide...
Existe uma palavra que vivifica e
outra que mata.
É importante progredir pelo caminho do silêncio, no
qual nos educamos na escuta autêntica, que é a única capaz de
nos conduzir ao puro amor. Porque o grau supremo da escuta é o silêncio cheio
de amor.
Diante da voz do Bom
Pastor não se trata de sermos receptivos a algumas ideias, ouvir determinados
conceitos, mas de escutar com o ouvido do coração, procurando captar a vida
que pulsa no coração d’Ele. Saber escutar, saborear o que Ele diz, entrar
em comunhão de sentimentos, deixar-se impactar pelo seu modo de ser e de viver,
suas opções, suas relações com o Pai e com os outros...
E isto exige uma capacidade de escuta
de nós mesmos e uma profundidade que possivelmente está nos faltando,
sobretudo se estivermos nos movendo na superficialidade da vida.
A vida é a verdadeira escola para a aprendizagem da escuta. Por
isso, escutar a voz do Pastor implica nos colocar no caminho da verdadeira e
autêntica humanização. Daí a insistência em ter uma atitude aberta e acolhedora
de escuta.
O ser humano pós-moderno não poderá deixar ressoar em seu interior a voz
do Pastor enquanto sua mente e seu coração estiverem petrificados no
automatismo da vida. A convivência se revela tensa, ansiosa, diante da ausência
de saber escutar. Ser seguidor do Ressuscitado pede de nós um novo ouvido para
facilitar novas relações, a transformação social e aceitar a nova visão da
existência humana.
Escutar o “mistério” entranhável e
sempre livre do Pastor é o caminho para encontrar nossa originalidade, nosso
nome, para nos encontrarmos n’Ele, deixando-nos impregnar pelo seu “modo de
proceder”; só assim poderemos viver como “ressuscitados”.
Sem escuta profunda
a vida se desumaniza e o ser humano se automatiza egoisticamente.
A escuta é
o caminho da originalidade, é a condição para não se viver na inércia.
Custa-nos muito ter sempre uma atitude de escuta receptiva, sobretudo em nossa sociedade
secularizada, globalizada, individualizada, informatizada ou tecnologizada.
Tudo são aparelhos. Tudo são ruídos. Todo o mundo quer falar, expressar-se. Mas
falta o interlocutor que escuta sabiamente.
Rubem Alves, com seu fino humor, afirmou: “Sempre vejo anunciados
cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo
quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um
curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é
complicado e sutil”.
Escutar é uma arte difícil; aprender a escutar exige paciência e prática;
escutar requer liberar tempos e criar hábitos: tempos para escavar significados
e desmontar pré-juízos; hábitos para fazer silêncio e refletir sobre o
escutado. O mais difícil não é aprender algo novo, mas desaprender algo antigo.
Acontece o mesmo com a atitude de escutar: o difícil não é ouvir, mas
esvaziar-se o suficiente para que a palavra escutada entre, ressoe e permaneça.
Escutar é uma arte que implica todos os sentidos, não só os ouvidos: pede
atenção às palavras, gestos, reações, silêncios...; pede saber interpretar e
ler entre-linhas; pede meditar e digerir o visto e ouvido.
Se muitas de nossas conversações soam vazias e, com frequências, não
conduzem a nenhum lugar, é porque não nos exercitamos para ser ouvintes.
Devemos
escutar com ouvidos de Deus a fim de que nos seja dado falar com a Palavra de
Deus.
Só quando prestamos atenção a essa voz interior é que
assumimos o sentido de nossa existência. A busca do sentido da vida é um
exercício de escuta.
Só quando escutamos atentamente esse chamado do Pastor Ressuscitado que
emerge de nosso interior é possível perceber qual é a missão que devemos
assumir ao longo da existência: ser presença de vida em meio a uma realidade
marcada por tantas mortes.
Texto
bíblico: Jo 10,27-30
Na oração: Orar, na verdade, não é, em primeiro lugar, falar
com Deus; antes, é calar-se para escu-tar. Deus é uma presença que “ressoa” em
nosso interior e às vezes faz brotar o canto, outras vezes o louvor, outras
vezes a palavra profética… Escutar faz-nos calar em todos os sentidos e, neste
silêncio, aprofundamos em nós um desejo mais elevado
Invoque a luz
sobre o sentido da audição que a natureza o quis
vigilante; perceba toda a exultação em escutar as vozes da natureza e acolha as
ressonâncias das palavras, dos hinos e das melodias com as quais é tecida a
oração.
Pe. Adroaldo
Diretor do Centro de Espiritualidade CEI - Itaici
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