ADVENTO: modo criativo de esperar
“Por isso, também vós ficai preparados! Porque, na hora em que menos
pensais, o Filho do Homem virá” (Mt
24,44)
Em cada
ano, no tempo do Advento, a liturgia da Igreja nos mobiliza a esperar. Nem
sempre caímos na conta que tenhamos a Quem esperar. Então, nos dispersamos
“esperando algo”, vivendo a lenta e inevitável fila das esperas.
Como seres
humanos, fomos feitos para esperar: esperar um filho, esperar
um trabalho, esperar o resultado de um exame médico, esperar que as coisas
melhorem, esperar que saia o sol… Trata-se de uma sucessão interminável de
esperas, algumas vezes infrutíferas, indesejadas e angustiosas, outras vezes
surpreendentes, plenificantes… Às vezes esperamos sem saber muito bem o quê ou
quem esperamos, como os dois personagens do filme “Esperando Godot”, que nunca
souberam a quem esperavam, nem por que esperavam, nem se, efetivamente,
chegaria o esperado Godot.
Outras
vezes, a espera se vê realizada, mas o resultado da mesma é tão pífio, tão
frustrante, que os “esperantes” terminam por pensar se valeu a pena tanta
mobilização. Existem também esperas doentias, que provocam ansiedade, medo e
nos paralisam; esperas centradas em nós mesmos.
Esperar, para quê? a quem? de onde
nasce a necessidade de esperar?
Vivemos
tempos carregados de “pressas” que nos mantém tensos; queremos resultados
imediatos e nos angustiamos na impaciência. Mas a vida cristã precisa de muito
Advento, muita espera e paciência. No interior de nossas entranhas brota uma
voz serena: “Dá para esperar?”
Só quem é
movido a “sentir o tempo” de modo novo pode habitá-lo com intensidade em todas
as etapas da vida. Cada momento esconde sua pérola e é muito instigante poder
descobri-la.
A vida
cristã é uma vida de espera, mas se trata de uma espera
carregada de esperança. Esperar é uma forma de viver, um hábito de vida. Nós
somos o que esperamos. “Só quem
espera pode ver”.
Estamos no tempo litúrgico da espera, que nos motiva a esperar,
mas a esperar com esperança, sabendo a Quem esperamos; mais ainda, sabemos que,
Aquele que esperamos, já chegou, que já está entre nós, que as promessas
esperadas já estão cumpridas. Deus vem a nós e a nossa espera ativa é a nossa
maneira de ir até Ele. Aquele que esperamos já está presente, dando um sentido
de eternidade à nossa espera.
Espera que nos faz criativos, intuitivos, sonhadores... Espera que nos
faz sair de nós mesmos, abrir-nos à realidade que nos cerca e crescer em
comunhão com tantos que nos esperam. Espera que nos descentra.
“Diga-me o que você espera e vou lhe
dizer quem você é”. A espera revela nossa identidade,
aponta para onde está nosso coração.
O “que” ou
“quem” esperamos? Se não sabemos o que esperamos,
a vida perde sabor e sentido; quem não espera, não busca, não amadurece. No
supermercado da vida há muitas ofertas que pretendem preencher o vazio da
espera, mas não tem consistência, não nos saciam, não nos preenchem, e não nos
indicam um horizonte de sentido. O maior inimigo da espera é a dispersão,
ou seja, apego ao imediato e à rotina da vida: “comer, beber, casar... como nos tempos de Noé”, Vivemos tempos de dispersão, cativados pela mídia, pelas ofertas
alucinantes... Isso corrói nossa interioridade, nossa visão se atrofia e o
horizonte fica obscurecido. A espera vigilante implica ampliar
o olhar para além dos nossos pequenos interesses.
Advento é tempo propício para ampliar a visão. Deus não criou as
fronteiras; podemos olhar mais além, lançar por terra os limites inventados,
desfazer os muros que nos mantém numa vida normótica e repetitiva.
A espera vigilante pede um olhar de longo alcance e, ao
mesmo tempo, um olhar que capta os pequenos sinais da Presença d’Aquele que
sempre está vindo, no cotidiano da vida.
Na espera corremos dois riscos: fixar-nos somente no horizonte e
aguardar vindas extraordinárias, fora do normal... desviando o nosso olhar das
vindas d’Aquele que se faz presente na simplicidade da vida.
Outro risco é ter uma visão atrofiada, limitada ao cotidiano da vida e
perdendo-nos na confusão de sinais e vozes que daí brotam. É preciso integrar
os dois movimentos. É preciso ter um horizonte de sentido que nos ajude a
discernir e distinguir tais sinais.
Do cotidiano aos largos horizontes (amplitude de visão e de vida) e dos
largos horizontes ao cotidiano (dar sentido ao nosso chão cotidiano). “Não ter medo do máximo e caber no mínimo: isso é divino”.
Advento não é aguardar Alguém ausente; mas despertar para se fazer
presente Àquele que está sempre presente. Esperar é “estar acordado”, no
sentido de estar atento e também no sentido musical de “estar afinado”,
sintonizado com a Presença que se “desvela” sempre inesperada, surpreendente e
provocativa.
Para dar
lugar Àquele que vem sem cessar, é preciso alargar espaço em nossas vidas,
expandir nosso coração, aliviar nossas agendas e realizar gestos de serviço que
nos fazem crescer em comunhão.
A espera
de Alguém desperta nossa sensibilidade para perceber que Aquele que esperamos
já está presente; nós é que estamos cegos e surdos aos sinais e vozes de sua
presença.
O convite de Jesus a viver vigilantes é um chamado a refazer nossa
leitura dos acontecimentos, a aprender a lê-los a partir do amor que quer abrir
passagem em nós.
Não estamos simplesmente “esperando Godot” para entreter o tempo e a
vida. A espera não se reduz à espera mesma: ela tem conteúdo. O Salvador não
cessou de vir; vem diariamente a nossos mundos (família, trabalho, relações,
descanso...), vem para dar à nossa vida a profundidade e largura de seu amor,
para que a Criação inteira recupere a beleza, a harmonia e a liberdade que
desfrutava quando saiu das mãos do Criador.
A maneira
de nos situar na vida muda quando ansiosamente esperamos Alguém: nosso coração
se dilata e a vida se torna mais leve. Aquele que esteve, está e estará sempre
presente, não vem para complicar nossa vida. Quantas pessoas vemos com o rosto
sombrio, como se acreditassem que já não lhes aguarda nada novo, como se em
suas vidas tudo estivesse pré-determinado, sem nenhuma possibilidade de
mudança!
Advento quer abrir uma brecha naquilo que já conhecemos e sabemos para
preparar-nos para receber a força incomparável de uma alegria que quer alcançar
nossas vidas.
Esperar nos faz assumir a atitude de sentinelas que, numa posição
elevada, é capaz de ler a realidade, vislumbrar o novo e assumir atitudes
coerentes.
É de dentro das circunstâncias que atravessamos que Deus não cessa de
nos buscar e de nos surpreender.
Texto
bíblico: Mt 24,37-44
Na oração: A espera do Advento
é mobilizadora, pois ativa nossas melhores energias e desata ricas
possibilidades latentes em nós.
Deus vem oferecer-nos infinitas
possibilidades de viver de outra maneira.
- O que espero no início deste novo
tempo litúrgico: esperar atrofiado, rotineiro... ou esperar criativo e ousado?
Pe. Adroaldo
Diretor do Centro de Espiritualidade de Itaici - CEI
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