Livro: O humano a caminho de um centro mais profundo | Editora Dialética * clique na imagem

Livro: O humano a caminho de um centro mais profundo | Editora Dialética  * clique na imagem
@integraravida.sorayacdf

FOLHAS DO REINO | FINADOS: A sabedoria de fazer-se presente diante da morte |-| SANTIDADE: O DNA de Deus no coração do ser humano


"A vida é conduzida secretamente para a um Porto do AMOR DEFINITIVO"
FINADOS: A SABEDORIA DE FAZER-SE PRESENTE DIANTE DA MORTE

“Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus...” (Mt 5,12)


No dia de Finados, fazemos memória e nos unimos a todas aquelas pessoas cujos rostos estão gravados em nossa mente e coração, pois foram presenças que nos sustentaram, nos confortaram, nos animaram e nos impulsionaram. E podemos expressar a confiança profunda de que a vida é conduzida secretamente a um Porto de Amor definitivo, e todo pranto, impotência e fragilidade serão abraçados e sanados n’Ele.


Há tanto que agradecer a estas pessoas que, como silencioso fermento, fizeram história com Deus no interior de nossa pobre humanidade. Foram presenças inspiradoras que melhoraram uma parte do mundo e nossa gratidão as acompanha. Ditosos eles e elas, e ditosos também nós porque, na comunhão com aqueles(as) que já vivem a páscoa definitiva, somos movidos a seguir seus passos pelo caminho da vida,  para sermos dispensadores humildes de felicidade, compaixão, mansidão, famintos e sedentos de justiça, de paz.


Com a morte começa a vida para sempre, no coração do Deus amor. E se a morte é capaz de nos privar do dom da vida, o “amor tem poder para nos devolvê-la”, nos afirma o bispo Balduino de Cantebery.

Ao falar da morte sempre nos sentimos impotentes, pois ela nos ultrapassa. Sabemos de sua existência, mas muitas vezes nos dá medo. E o medo da morte impede viver adequadamente o presente. Mais grave ainda, o medo da morte pode chegar a nos travar profundamente e alimentar uma angústia a ponto de impedir-nos de viver a vida com sentido, qualidade e prazer.


Nossa sociedade tende a negar a morte, afastando-a dos nossos ambientes cotidianos, tornando-a invisível; procuramos negá-la, escondê-la, dissimulá-la; preferimos não falar dela e, mesmo quando falamos desta realidade última, a ela nos referimos com temor e tremor. O pânico e a negação são nosso pão de cada dia: a compulsão por manter-nos – ou ao menos parecer-nos – jovem, o culto à saúde e à vitalidade, a incapacidade de aceitar a fragilidade e a finitude de nossa natureza humana, deixam transparecer o medo de nos deparar com a morte.


A morte nos golpeia em dimensões muito sensíveis e frágeis de nossa experiência humana; ela desnuda e desvela a precariedade de nossa existência. Com nada chegamos ao mundo e sem nada partiremos dele. E a realidade é que sem aceitação da morte continuamos presos à onipotência infantil que nos faz fantasiar de seres imortais.


E, no entanto, a morte está aí, na volta da esquina; por ser algo seguro e certo, a morte é realidade frequente de distância, mistério e silêncio; ela nos faz cruzar o umbral do desconhecido, do qual é impossível dar um passo atrás; ficamos paralisados frente ao desconhecido e ao irreversível. A morte põe fim ao nosso estado de caminhantes neste mundo, tempo no qual fomos nos amadurecendo e crescendo.

A experiência cristã, por outro lado, nos revela o caminho de uma morte preparada ao longo da vida, porque a entende em relação com a vida e a vida em relação com a morte. Vida sem morte é irresponsável. Tira a seriedade da vida, que lhe é dada pela morte.


Na verdade, a morte nunca fala sobre si mesma. Ela sempre nos fala sobre aquilo que estamos fazendo com a própria vida: as perdas, os sonhos não realizados, os riscos que não enfrentamos por medo...


É de todos conhecido o refrão: “A morte menos temida dá mais vida”.


Superar o medo da morte é um processo longo, complexo, mas para o cristão constitui uma experiência religiosa muito profunda, que o desafia a aprofundar na consciência de si mesmo e em sua capacidade de confiar em Deus. Vencer o medo da morte é reconhecer que a vida sempre é um dom, não o resultado de nosso esforço; e que, por isso mesmo, o essencial não é encontrar um caminho para alcançar a imortalidade, mas aprender a “morrer em Cristo”.


Não é a morte aquela que deve dar sentido à nossa vida, mas ao contrário, só aprendendo a viver é que se aprende a morrer. Mesmo que nos restasse apenas um segundo de vida, faríamos muito mal em pensar na morte. Seria muito mais positivo viver plenamente esse segundo.


A fé cristã não é masoquista ou sádica quando nos ensina a bem morrer. Assim nos dá maior responsabilidade para com a própria vida. O teólogo Soren Kierkegaard afirma que “só a fé proporciona ao ser humano o valor e a audácia necessárias para olhar a morte de frente”. Sem medos, sabendo que o Deus da vida, acolhe com amor e ternura, àqueles(as) que são “aspirados(as)” para dentro de suas entranhas misericordiosas.

O diretor japonês Akira Kurosawa retrata, de maneira original, questão da morte, em seu filme Ikiru, uma obra-prima de 1952. Trata-se da história de Watanabe, um humilde burocrata japonês que descobre ter câncer de estômago e apenas mais alguns meses de vida. O câncer serve de experiência reveladora para este homem, que antes tinha vivido uma vida tão limitada e atrofiada que seus próprios funcionários o apelidaram de “a múmia”.


Depois de descobrir o diagnóstico, ele falta ao trabalho pela primeira vez em 30 anos, retira uma grande quantia de dinheiro de sua conta corrente e tenta voltar à vida em vibrantes boates japonesas.


No meio desse ambiente devasso, ele encontra inesperadamente uma ex-funcionária que havia pedido demissão de seu escritório porque o emprego era tedioso demais: ela queria viver.


Fascinado por sua vitalidade e energia, ele a segue e implora para que ela o ensine como viver. Ela lhe disse apenas que odiava seu antigo trabalho porque se tratava de uma burocracia sem sentido.


No novo emprego, em que faz bonecas numa fábrica de brinquedos, ela se sente inspirada e motivada a viver a partir da ideia de poder levar felicidade a muitas crianças.


Quando o burocrata revela a ela seu câncer e a proximidade da morte, ela fica horrorizada e corre para longe, emitindo apenas uma única mensagem por sobre os ombros: “Faça alguma coisa”.


Watanabe retorna, transformado, ao seu trabalho, recusa-se a ser engessado pelo ritual burocrático, quebra todas as regras e dedica o restante da vida à construção de um parque infantil, que seria aproveitado por muitas crianças, durante muitos anos. Na última cena, Watanabe, próximo da morte, está sentado em um balanço no parque. Apesar da nevasca, ele está sereno e se aproxima da morte com uma tranquilidade impressionante.

De fato, aqueles que que vivem com mais intensidade são os que deixam a segurança da margem e se dedicam apaixonadamente à missão de comunicar vida aos outros.

Por isso, para os cristãos, a morte sempre se refere à Vida e à vida; à Vida com maiúscula, junto a Deus e para sempre (que chamamos Vida Eterna), e a vida de todos os dias, na qual somos chamados a ser testemunhas do amor de Deus a todos os homens e mulheres deste mundo; uma vida de serviço, de compromisso, de entrega generosa para construir um mundo melhor; uma vida com sentido, para que, quando cruzar o umbral da porta desta vida, de verdade encontremos plenamente o que tanto buscávamos: o amor, a paz e o rosto bondoso de um Deus que é Amor.


A vida se expande quando compartilhada e se atrofia quando permanece no isolamento e na comodidade. E a morte é o instante da expansão plena para aquele que soube dar um sentido inspirador à sua existência. Podemos afirmar, então, com muita propriedade, que todos morremos para o interior da Vida.




Texto bíblico:  Mt 5,1-12


 Na oração: A certeza de nossa fé em Cristo morto e ressuscita   do nos ajuda a tirar do coração os medos, os impulsos auto-referentes na busca de segurança e imortalidade, para encontrar uma paz profunda que nos permita fazer de nossa vida uma oferenda gratuita em favor da vida de outros.


- Como você se situa diante da morte: medo? serenidade? certeza de poder mergulhar numa Vida maior?...


Pe. Adroaldo sj



SANTIDADE
      O DNA de Deus no coração do ser humano

                      “Bem-aventurados sois vós...” (Mt 5,11)


Todo ser humano deseja ser feliz, e o desejo de felicidade é o dinamismo mais profundo que toda pessoa traz inscrita no íntimo do seu ser. Em outras palavras, a aspiração primeira que nos habita é a “alegria de viver”. Por isso, atentar contra a felicidade de viver é a agressão mais grave que se pode cometer contra o ser humano.

No entanto, na experiência de fé de muitas pessoas, a imagem de “Deus” não está associada à busca da “felicidade”. De fato, são muitos os que vêem em Deus um autêntico rival da própria felicidade, pois costumam relacionar Deus com a proibição de muitas coisas que lhes dão prazer e lhes fazem felizes, ou com a obrigação de fazer outras coisas que lhes são pesadas e desagradáveis. E, sobretudo, para muitos, “Deus” é uma ameaça, uma proibição constante, uma censura, um juiz implacável com o código de leis nas mãos... enfim, uma carga pesada que complica a vida, tornando-a sem sabor e sem sentido.


Além disso, muita gente vê em Deus a imposição de verdades que não compreende, a limitação da própria liberdade, a necessidade de submeter-se a poderes e autoridades que lhe causam rejeição...


E, para culminar, são muitos aqueles cuja experiência de fé é vivida de maneira negativa, alimentando culpas, acentuando os escrúpulos, fomentando divisões e conflitos internos, comportamentos de caráter obsessivo, práticas piedosas carregadas de moralismo e expiação..., e outras patologias.


É evidente que um “Deus” assim gera, nas pessoas, sentimentos de culpa, de insegurança e de medo.


Podemos, então, compreender perfeitamente porque muitas pessoas prescindem de Deus em suas vidas, inclusive, recusam abertamente tudo o que se refere a Deus, à religião e aos seus representantes.


Um “Deus” que é percebido e sentido como um problema, como uma presença que entra em conflito com nossa felicidade, por mais que nos digam que Ele é bom, que nos ama e que é Pai, é e será sempre um “deus” inaceitável e até insuportável. Um Deus assim não tem e nem pode ter relação alguma com a aspiração maior que carregamos dentro de nós: o desejo de sermos felizes na vida.


Não é fácil passar de uma espiritualidade que fez do sofrimento e do sacrifício um lugar de redenção, de santidade, de predileção por parte de Deus, a uma espiritualidade que integra a busca da felicidade, não só como um direito humano, senão como um sinal do Reino.


Falar de felicidade nos leva necessariamente a nos perguntar se é possível ser felizes em um mundo cheio de dores, injustiças, mortes prematuras, solidão, vida sem sentido...


No entanto, como seres humanos não podemos renunciar à busca da felicidade. O importante é que não vivamos esta busca de uma maneira solitária, nem que nossa busca seja à custa dos outros ou à margem das grandes maiorias sofredoras. A isso não se pode chamar felicidade.


A felicidade é a busca fundamental do ser humano, o sonho da humanidade desde o começo da história. O difícil é ter sabedoria para poder reconhecer os caminhos que nos conduzem a ela.


Nesse sentido, a liturgia da festa de Todos os Santos e Santas vem nos indicar este caminho, ao apresen-tar o texto das Bem-aventuranças como um programa para viver a felicidade; e o motivo primeiro é porque todas elas são, na verdade, o caminho da santidade universal (acima e além de toda religião, pois elas são simples e profundamente humanas). As Bem-aventuranças são como o mapa de navegação para nossa vida; são o horizonte de sentido e o ambiente favorável para nossa santificação, entendida como empenho para viver com mais plenitude, segundo o querer de Deus.


A primeira “canonização”, pois, teve lugar quando Jesus, num determinado dia, subiu à montanha e com grande solenidade declarou felizes os pobres, os aflitos por causa do Reino, os mansos que não recorrem à violência, os que tem fome e sede de justiça, os misericordiosos, os que não tem segundas-intenções no coração, os que trabalham em favor da paz, os perseguidos por causa da justiça. Todos eles(as) são declarados felizes porque são os que mais se parecem com Deus, ou seja, deixam transparecer em suas vidas a santidade d’Ele. E a felicidade está justamente na vivência do chamado universal à santidade.


A santidade é, pois, um dom recebido de Deus, que alimenta na pessoa o desejo e a disposição de “sair de si mesma” para viver a experiência do amor na relação com o mesmo Deus, no encontro com os outros e no cuidado e proteção da Criação.


“Viver a partir da santidade de Deus” representa a melhor definição da santidade cristã: reconhecer-nos como quem recebe tudo de Deus, deixar-nos amar e guiar por Ele, assemelhar-nos a Ele para fazer carne viva em nós os sentimentos de compaixão e misericórdia que Ele tem com as pessoas.


Em outras palavras, a santidade significa viver o divino que há em nós.


Só descobrindo o que há de Deus em nós, poderemos cair na conta da nossa verdadeira identidade.


Todos somos santos(as), porque nosso verdadeiro ser é o que há de Deus em nós; embora a imensa maioria das pessoas não tem consciência disso ainda, não podemos deixar de manifestar o que somos. Somos santos(as) pelo que Deus é em nós, não pelo que nós somos para Deus. Para Jesus, é santa a pessoa que descobre o amor que chega até ela sem mérito algum de sua parte, mas deixa-se envolver por este amor expansivo e passa a viver uma presença amorosa.


Na festa de Todos os Santos e Santas somos convidados a deixar semear na terra de nossa vida o anúncio mais impressionante de felicidade que Jesus nos faz. Como não ficar maravilhados diante das bem-aventuranças e deixar que cada uma delas nos des-vele e nos fale d’Ele? De fato, elas são o auto-retrato de Jesus; antes de proclamá-las, Ele as viveu na radicalidade.


As bem-aventuranças constituem a carta magna do Reino e princípio fundamental do(a) seguidor(a) de Jesus; nela aparece a visão que Jesus tinha e desejava para o ser humano. Este texto não é apenas uma normativa, uma ética, mas um modo de entender a vida humana; elas oferecem um programa de felicidade e de esperança, ou seja, elas nos ensinam a ser ditosos, no desprendimento e na solidariedade, na pureza de coração e de vida, na liberdade radical, na esperança... tanto no nível pessoal como comunitário.


As bem-aventuranças compartilham uma mesma visão “macro-ecumêmica”: valem para todos os seres humanos. O Deus que nelas aparece não é “confessional”, não é “patrimônio” de uma religião específica; não exige nenhum ritual de nenhuma religião, senão o “rito” da simples religião humana: a pobreza, a opção pelos pobres, a transparência de coração, a fome e sede de justiça, a luta pela paz, a perseguição como consequência do empenho em favor da Causa do Reino... Essa “religião humana básica fundamen-tal” é a que Jesus proclama como “código de santidade universal”, para todos os santos e santas, os de casa e os de fora, os do mundo “católico” e os de outras expressões religiosas...




Texto bíblico:  Mt 5,1-11


Na oração: A chave da felicidade está em permitir que se revele o sentido da luminosidade que se encontra no fundo de nosso ser. O que nos tira a energia e nos torna impotentes é afastar-nos desse princípio vital que é o Divino em cada ser.


A santidade é luz expansiva do divino que se faz visível no “modo contemplativo” de viver.


- Sua presença junto às pessoas é transparência da santidade de Deus?


Pe. Adroaldo sj

Postagens mais visitadas