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Foto: SCDF
ANUNCIAÇÃO, UMA EXPERIÊNCIA UNIVERSAL
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“Não
tenhas medo, Maria, porque encontraste graça
diante de Deus” (Lc 1,30)
No tempo do Advento,
Maria é sempre uma presença cheia de
significados: a mãe que espera, a mulher que acolhe a Palavra, a jovem que
arrisca, a amiga que ajuda, a mulher de fé que silencia e medita... Tudo isso
encontramos nela. E nela, todos nos vemos; nela nos inspiramos. Porque também
nós precisamos acolher, arriscar, servir e deixar que a boa notícia seja
semente que se enraíza na terra de nossa interioridade.
O Advento também é tempo do “sim” e hoje fazemos memória daquela
que foi protagonista do “sim” que mudou a história.
Aquele que é a Vida e por quem
foram feitas todas as coisas pede o consentimento
da virgem de Nazaré para assumir a vida humana no seu seio virginal. Para que
sejam cumpridas, para que o Salvador entre na nossa história, só falta o Sim de Maria.
Deus nunca força a liberdade humana, nem mesmo nos momentos
em que está em jogo o futuro da humanidade; dinamiza-a, a partir de dentro, em
todos aqueles(as) que se abrem à sua graça.
O Deus que nos criou sem pedir o nosso consentimento,
nunca nos impõe missão alguma sem o nosso assentimento. Ele
suscita nossos desejos, atrai, convida, mas respeita sempre nossa liberdade.
Nossas decisões serão tanto mais
livres e fecundas, quanto mais unidos estivermos com Deus, quanto mais confiarmos
na sua graça; mas elas devem ser assumidas por nós.
A redenção querida por Deus é universal, mas encarna-se no particular,
no ponto de intersecção de um tempo
e de um espaço únicos: na casa e no
corpo de Maria de Nazaré, na Galiléia.
Esse ponto torna-se o centro da
história, o ponto de apoio e de partida de um movimento pelo qual o Filho
assume a condição humana para fazê-la retornar consigo, pelo poder do Espírito,
ao Pai.
Maria é o primeiro e mais belo fruto do olhar
de misericórdia da Trindade sobre a humanidade e de sua decisão de salvá-la. “Um anjo faz o
anúncio, uma virgem o escuta, crê e concebe. Na alma, a fé, e no ventre,
Cristo” (S. Agostinho).
Essa graça é tão fundamental e
tão significativa, que a expressão “cheia de graça” é usada no lugar do
nome próprio. Maria é nomeada pelo modo como é vista por Deus.
Ela é pessoalmente, de maneira singular e única, e de maneira permanente, a
“agraciada”
de Deus.
Para revelar e realizar a Encarnação
do seu Filho, Deus não escolheu o templo, nem uma família sacerdotal. Nazaré, lugarejo situado na
Galiléia dos gentios, uma terra considerada abandonada de Deus, da qual “não havia saído
nenhum profeta” (Jo. 7,52),
foi escolhida por Deus para a
encarnação do seu Filho.
Não menos estranho é o fato de Deus ter escolhido, como forma de entrada na
nossa história, uma jovenzinha de
Nazaré, aldeã com um nome comum, totalmente desconhecida e insignificante aos
olhos dos grandes do mundo, como tantas Marias
do nosso povo.
Para realizar a salvação dos homens, Deus escolhe o insignificante e desprezado
pelos homens.
Escolhe o caminho do “esvaziamento” e do “amor
louco”. Verdadeiramente, os caminhos
de Deus não são os nossos caminhos, e seus pensamentos
não são os nossos pensamentos (Is. 55,8).
Devemos compreender que a Anunciação não se refere somente a
Maria, a José e a Jesus, mas a cada um de nós e à humanidade inteira.
O amor com o qual Deus nos ama é,
ao mesmo tempo, um amor voltado à humanidade inteira e um amor que se dirige a
cada um em particular, pois foi Deus que nos concedeu a cada um o dom de
existir.
Podemos dizer que cada um de nós
é amado e buscado como se fosse o único no mundo. E este amor, no entanto, nos
invade para nos atravessar e chegar até os outros. “Cheios de graça”, assim
como Maria.
Não olhemos a Anunciação como se fosse um
acontecimento exterior a nós. Estamos todos incluídos nela. Mais ainda, devemos
compreender que este relato não fala apenas de algo que se passou há dois mil
anos atrás, mas refere-se também ao que nos acontece hoje: Jesus vem ao mundo e
a cada um de nós sem cessar, e vem de novo, sempre.
O mistério da Anunciação é como o nosso espelho: nele todos nos
vemos; ou melhor, a Anunciação acontece com todos nós, a todo momento e em
todos os lugares e etapas da vida.
Anunciação somos todos que, como
Maria, dialogamos com Deus desde o mistério mais profundo de nossa vida, em
gesto de disponibilidade radical
A Anunciação a Maria é uma experiência
universal: todos recebemos visitas dos mensageiros de Deus.
Estamos rodeados de mensageiros divinos: pessoas (presenças
angelicais), fatos, experiências interiores... que através de vozes e sinais
movem nossa vida em direção à missão. São anúncios surpreendentes, ines-perados...
Deus é surpreendente, inesperável, revela-se na vida... É preciso uma atitude
contemplativa da vida para perceber os sinais divinos de sua presença.
Em primeiro
lugar, os mensageiros fazem elogios a cada um de nós: “Deus está encantado com você; você é agraciado(a), você é único(a) e original; você
tem uma missão específica”.
É preciso estar
em sintonia para captar a presença dos mensageiros. Eles falam da vida e
apontam para o futuro. Falam que Deus faz nascer a vida mesmo onde é impossível
aos olhos dos homens. O problema é que estamos distraídos ou focados em muitas
preocupações e não captamos a mensagem que nos chega.
É natural que
brotem medos, perturbações, dúvidas... pois se trata de algo fora do normal,
inédito... que nos espanta. Mas o mensageiro nos pacifica, sustenta nosso
ânimo, alimenta a coragem, vence o medo...
E o que ele nos pede? Deixar-nos conduzir pelo Espírito, como “Maria que respira ao ritmo do Espírito”. Quem se deixa conduzir pelo Espírito torna-se fecundo, está aberto à vida, gera a vida e luta em favor da vida.
Do encontro com os mensageiros de
Deus brota um “sim” do mais profundo;
sim, sem temor, sem dúvi-da; sim que nos expande em direção aos
outros; sim que nos coloca em
movimento; sim que desencadeia
outros sins. Sim que muda a história
pessoal e coletiva. Sim que destrava
a vida, nos faz criativos, abertos ao novo. Sim que nos faz entrar em sintonia
com o Sim de Deus, proferido desde todos os tempos.
Sim que é dado a Deus se amplia; sim que revela nossa identidade, nos humaniza. Sim que aponta para a vida. Deus é sempre fecundo; deixar Deus ser
Deus em nossa vida: essa é a marca da Anunciação.
Que o anjo não
se afaste triste de nós, pela nossa resposta negativa.
Texto bíblico: Lc 1,26-38
Na
oração: Poucas vezes Maria fala nos evangelhos e, no entanto, suas palavras são rotundas, definitivas,
inapeláveis: “faça-se”,
“eles não tem mais vinho”, “fazei o que Ele vos disser”. E,
sobretudo, o “Magnificat”, que é um hino de liberdade, de justiça e de louvor.
Também nós
falamos: em família, no trabalho, entre amigos... Falamos de outras pessoas, da
situação social e política... Falamos daquilo que nos preocupa ou dos nossos desejos
e sonhos... Quem sabe, também falamos de Deus. Há muito poder nas palavras:
poder para ferir e curar, para levantar e derrubar, para bem-dizer ou
mal dizer... Oxalá, aprendamos com Maria a proferir palavras carregadas de vida
e de verdade.
- Você tem
consciência do peso e do valor de suas palavras?
- Fazer memória
dos “sins
de vida”, pronunciados ao longo de sua existência, e que foram o
prolongamento do “sim” de Maria.
NO INTERIOR DE UMA GRUTA,
DEUS SE VESTE DE MUNDO
Na noite de Natal,
Deus “desce”
aos rincões da humanidade; uma intensa Luz brilha no interior de uma gruta e se
expande em direção a todo o universo. “Deus se veste de
mundo”.
As grutas
sempre despertaram fascínio nos seres humanos; elas possuem uma força atrativa
e guardam se-gredos em seu interior. Ao mesmo tempo simbolizam o desejo
permanente de retornar ao ventre materno, lugar de segurança, de aquecimento...
A contemplação do Nascimento
de Jesus nos impulsiona a fazer a travessia para o interior de uma Gruta: ali o
Grande Mistério se faz visível e revelador do sentido da existência humana.
Trata-se de “entrar” nela com suavidade, de percebê-la e fazê-la descer
até o coração, de convertê-la em matéria de consideração, oração silenciosa e
surpreendida.
É que nada é digno de Deus, nada está à
sua altura para poder acolhê-Lo: nenhum tipo de ornamento, nenhum palácio,
nenhuma forma de sabedoria humana.
Por isso, Deus decidiu escolher um lugar
despojado de tudo, onde não há concorrências ridículas: gruta, manjedoura, pobreza...
Acolhido pela
natureza, presente na Gruta, Deus se deixou impactar por tudo aquilo que o
rodeava. Tudo isso é Deus na nossa carne quente e mortal. Um Deus que
“adentrou” na humanidade e de onde nunca mais saiu; um Deus que agora pode ser
buscado em nossa interioridade e em tudo o que é humano.
Na pobreza, na
humildade da própria gruta pessoal, inserida na grande quantidade de grutas de
refugiados e excluídos, torna-se possível acolher o dom do amor de Deus,
visível na Criança de Belém.
O Nascimento de Jesus inspira a nos deter para escutar-sentir o
significado da gruta, para nossa
vida e para a comunidade cristã.
A gruta não é um fim em si
mesma, não é um fim de trajeto; ela é uma etapa imprescindível para compreender
a Encarnação. Ou seja, o cristianismo não passa de uma boa ideologia se não
desce da cabeça às entranhas da vivência. A gruta é algo assim como as
entranhas da humanidade, onde se sente a vida, porque é um espaço natural, sem
cimento nem tijolos, sem paredes divisórias, aberto.
A gruta é essa abertura da natureza que
acolhe e abriga: ela é espaço para refúgio, proteção do frio, último recurso
diante do despejo. Francisco de Assis, em sua vivência de Natal, no-la encheu
de natureza: animais, vegetação, riachos…, tudo em expectativa, tudo em seu
estado puro: a nova criação com a chegada do menino que nela encontramos.
Temos medo da gruta, das entranhas da
vida, da história e de Deus, porque a gruta contém o Deus que se veste de
mundo, como o seio materno contém a criança que virá.
A gruta está dentro e
fora de nós. Dentro, ou seja, esse lugar marginal de nosso ser que não nos
atrai, porque é escuro, frio, não visitado, nos dá medo entrar...; e, fora
de nós, a gruta é esse lugar da noite, sem luz artificial, que intimida
aproximar-nos porque não sabemos quê ou quem podemos encontrar. Talvez pessoas
que nos olham com suspeita ou com carinho, nos acolhem ou nos rejeitam...
De qualquer forma, só uma coisa importa fazer agora: diante da
fragilidade de uma criança, ampliar o olhar, afastar o medo, tirar o pó das
lembranças não integradas…
A gruta
interior é uma abertura natural na rocha dura da vida. Nela, se supero os
medos e acesso às suas profundezas, descubro-me habitado pelo Amor; entrar na
gruta de Belém torna-se uma privilegiada ocasião para soltar
as amarras internas, tirar as paredes que separam ou dividem, abrir espaços
acolhedores...
E, para entrar, é preciso agachar-se,
descer de nosso ego inflado, das vaidades… Só quem se inclina pode acolher uma
criança nos braços. Para encontrar Deus é preciso empreender o
caminho de “descida”, dirigir o olhar e o coração para o próprio
interior e para o mundo da exclusão.
O
mundo é uma pousada, lugar de passagem onde homens e mulheres, maiores e
menores, devemos ir construindo lugares de encontro. Mas Deus quis
vir à pousada dos homens e não encontrou lugar nem na cidade, nem em nenhuma
estalagem. Não tinha o que era preciso ter: dinheiro, poder, influências...
Portas
e corações se fecharam ao pedido de ajuda de uma família, apesar da evidente
necessidade urgente que eles tinham de alojamento. “Para
eles não havia lugar na hospedaria” (lc. 2,7). Uma cocheira de animais funcionou como “centro de
acolhimento”.
Assim, a vida de Jesus,
desde o início, foi muito semelhante àquela de um “clandestino”: indesejado
e incômodo. E Ele continua vindo a nós sob o semblante do clandestino.
“É inútil procurá-lo nos presti-giosos palácios do poder onde se decide a sorte
da humanidade: não está ali. É vizinho de tenda dos sem casa, dos sem pátria,
de todos aqueles que a nossa dureza de coração classifica como intruso,
estrangeiro, refugiado” (Tonino Bello)
Mas era Deus e nasceu, ainda que fosse
fora, no descampado, no que então era uma gruta de pastores, um lugar para
guardar animais.
Jung dizia: “somos tão
somente o estábulo onde nasce Deus”. A gruta está sem defesa, por isso, entram as chuvas e também o frio; mas é precisamente
nas fendas de sua pobreza onde ocorre o nascimento da Vida, onde
acontece, desde aquela noite, a manifestação da glória de Deus, o perfume de
sua compaixão.
É
surpreendente que a pequenez e a vulnerabilidade sejam o cartão de visitas de
Deus. O Natal é o memorial desta verdade, sempre esquecida. Deus não nos
estende a mão a partir de cima, senão que se mostra necessitado, dentro de uma
gruta. Ele nos ajuda a partir da fragilidade. Ele está “envolvido em faixas”,
deitado em cima de palhas, como se não houvesse outro modo de se revelar.
Na
presença de uma Criança tudo é aceito e acolhido, tudo encontra seu lugar. Nada
é rejeitado: o sujo e o que não conta, o desprezível, o mal olhado, perdem seu
aspecto desagradável e se ungem de calor e suavidade. Tudo fica transformado
pela irradiação da luz que emerge a partir de dentro; há muito mais dignidade e
beleza onde sequer poderíamos imaginar.
Na Encarnação e
Nascimento de Jesus esvaziou-se o céu; Deus, em sua misericórdia, abandonou o
trono altíssimo, exilou-se nas entranhas profundas da humanidade e assumiu tudo
o que é radicalmente humano.
Se a história da Encarnação começa lá “embaixo”, na periferia, quer
dizer que a fé em Deus implica pres-tar atenção na manifestação do amor materno
e na frágil beleza do recém-nascido.
No momento em que o Verbo de Deus assume um rosto, todo
ser humano che-ga à plenitude de sua realização: entra em comunhão com o
Infinito e recebe uma dignidade infinita.
Textos bíblicos: Lc 2,1-14
Na oração: Contemplar o
rosto do recém nascido... Contemplar nele
os rostos desfigurados da história.
A cena do Nascimento de Jesus pede tempo,
presença, assombro... para deixar-se afetar por ela; “... como se estivesse ali presente, com todo
acatamento e reverência possível” (S. Inácio).
A todos vocês, um Natal feito de promessas, de caminhos... e de
ternura infantil.
Minha bênção natalina.
Pe. Adroaldo Palaoro sj
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